Caso algum dia tenhamos uma versão virtual de nossas almas, será crucial a compreensão do que nos define, do que representa nossa individualidade e o que nos conecta em prol do trabalho coletivo para a sobrevivência, não mais da espécie, mas para a permanência do espírito que a rege. Para visitar outros mundos, sobreviver em Marte e talvez fazer viagens através do espaço, seremos capazes de abrir mão desses corpos de carne sustentados por ossos afim de aderir a corpos menos densos, feitos basicamente de dados?
Ao chegar às primeiras conclusões sobre as forças do intelecto, no De emendatione,1 Espinosa escreve que, “para nada omitir do que pode conduzir” ao conhecimento delas, é preciso ensinar “um pouco sobre a memória e o esquecimento”, explicando que a primeira pode ser reforçada “com o socorro do intelecto e também sem o socorro do intelecto”. No primeiro caso, o auxílio é trazido pela própria inteligibilidade da coisa — res magis est intelligibilis —, enquanto no segundo, o amparo vem da imaginação, conforme a força com a qual esta é afetada por alguma coisa singular corporal — ab aliqua re singulari corporea. Imediatamente, Espinosa esclarece: “Digo singular: a imaginação é, com efeito, afetada somente pelas coisas singulares […]. Digo também corporais: porque a imaginação é afetada apenas pelos corpos”.2 (CHAUÍ, Marilena. A nervura do real: imanência e liberdade em Espinosa, volume II. /A essência particular afirmativa. 2016. p.16-17)
E o que vem a ser este psiquismo que nos diferencia mas também nos aproxima possibilitando conexões com o todo?
A imagem que acabamos de traçar da inteligência viva ou do psiquismo é, identicamente, a do virtual. Por natureza, e embora esteja sempre conectado a seu corpo, o sujeito afetivo se desdobra para fora do espaço físico. Desterritorializado, desterritorializante, ele existe, isto é, cresce de fato para além do “aí”. O psiquismo, por construção, transforma o exterior em interior (o lado de dentro é uma dobra do lado de fora) e vice-versa, uma vez que o mundo percebido sempre mergulhado no elemento do afeto. (LÉVY, Pierre. O que é virtual? 1996. p.108)

“O que nos define não são nossas memórias mas sim nossas ações”
E o que define nossas ações? Em segundos nos quais decidimos ou fazemos escolhas por nossos atos, quais são os “arquivos “cognitivos ou afetivos que interferem em nossas ações?
A virtualidade não tem absolutamente nada a ver com aquilo que a televisão mostra sobre ela. Não se trata de modo algum de um mundo falso ou imaginário. Ao contrário, a virtualização é a dinâmica mesma do mundo comum, é aquilo através do qual compartilhamos uma realidade. (LÉVY, Pierre. O que é virtual? 1996. p.148)
Ao fim da IV Revolução Industrial, depois de todos os nossos erros e acertos para desenvolver o “Data-Humanoide”, talvez cheguemos à conclusão que nosso primeiro modelo – feito de carne, osso, alma e espírito – fosse um magnífico modelo desenvolvido pela ciência divina. Será que a verdade está lá fora???
Melhor não jogar a criança fora junto com a água do banho. 😉
Referências:
A Vigilante do Amanhã – Ghost in the Shell: Baseada na internacionalmente aclamada ficção científica “Ghost In The Shell” é a história de Major, uma máquina de combate, ciborgue-humana-híbrido, única de sua espécie, que líder a unidade de inteligência de elite: Sessão 9. Dedicados a capturar os criminosos mais perigosos e extremistas, a Sessão 9 é confrontada com um inimigo que tem como único objetivo acabar com os avanços tecnológicos da Hanka Robotic. – Paramount Pictures Brasil/ Fonte: Canal Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=–DYzP4RjEA
CHAUÍ, Marilena. A nervura do real: imanência e liberdade em Espinosa, volume II: Liberdade / Marilena Chaui. – 1a ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
LÉVY, Pierre. O que é virtual? /Pierre Lévy; tradução de Paulo Neves. – São Paulo: Ed. 34, 1996.
MORACE, Francesco. 1959 – O que é Futuro?/ Francesco Morace; trad. Simone Bueno da Silva. – São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2013.
MORIN, Edgar, 1921 – Rumo ao abismo?: ensaio sobre o destino da humanidade/Edgar Morin; tradução Edgar de Assis Carvalho, Maria Perassi Bosco. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
TARGA, D.C. Leibniz, o individual e suas fissuras. Florianópolis, 2009. 140 p. Dissertação (Mestrado em filosofia) – [Leibniz, the individual e his clefts]. Departamento de Filosofia, Centro de filosofia e ciências humanas, Universidade Federal de Santa Catarina.
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