Ana Paula Sena de Almeida – Texto para disciplina de Introdução à Economia – Curso de Ciência da Informação PUC Minas, Primeiro semestre 2001, Professora: Eleonora Bastos Horta.

Este texto pretende resgatar o conceito de cidadania e consciência observando o contexto contraditório nos fatos e ideologias desde as comunidades primitivas até a sociedade contemporânea.
Iniciaremos nossa trajetória fazendo alusão aos homo-habilis, nossos antepassados. Os inventores do machado, a primeira e revolucionária tecnologia instalada na sociedade dos homens primitivos. Segundo Burke J. e Ornstein no livro “O presente do fazedor de machados: os dois gumes da cultura humana”. O advento do machado pode ter sido o primeiro à dar início a divisão do trabalho nas comunidades dos habilis. E ainda nesta obra encontramos a seguinte citação:
“(…) Graças às novas técnicas de triturar e moer alimentos, já não eram necessários dentes grandes acompanhados de fortes músculos nas mandíbulas e ossos de fixação, que por isso se tornaram menores. Este aligeiramento dos ossos do crânio teve como efeito abrir espaço para a expansão do cérebro, e deve ter sido por isso que a fala pôde se desenvolver. A língua também se tornou mais flexível, o que, junto as demais características físicas, reforçou a capacidade de produzir sons vocais mais sutilmente controláveis.” (BURKE, J e ORNSTEIN. O presente do fazedor de machados; os dois gumes da cultura humana. Sem paginação e sem data e local – Cap. 1 e 2, p.1-86)
A partir desta mutação física, o homo-habilis institui a mais fantástica ferramenta social: a comunicação verbal, a linguagem, seus signos e sentidos. É importante dizer que a linguagem é uma herança destes antepassados tão distantes.
Evidentemente que ela, a linguagem, sofreu diversas modificações ao longo das eras. As mudanças, muitas vezes, vieram do próprio ato da fala, devido às associações acidentais de sentido provocadas pelos falantes. Mas toda esta retrospectiva não nos serve apenas como informação figurativa. Muito ao contrário, com esta volta ao passado devemos observar de que ponto viemos e a qual ponto podemos ou não desejamos chegar. Somos em nossa essência animais. Por sorte ou por dádiva da natureza sofremos mutações orgânicas que nos proporcionaram um lobo frontal mais desenvolvido que os dos demais animais. O que isto significa? O lobo frontal é a região do cérebro responsável pela captação de informações armazenadas no córtex.
Seria como um decodificador, um “aparelhinho” em nosso cérebro que consegue associar o que vemos, ouvimos ou sentimos com informações guardadas na memória. Por causa desta vantagem biológica o homem pôde desenvolver sistemas de comunicação desde os mais rudimentares até os mais avançados.

“Deu o branco: os segredos da mente”, tema de uma reportagem da revista Superinteressante de agosto/2000 mostra que a capacidade de armazenamento e recuperação das informações está intimamente ligada à capacidade de utilização da linguagem. Portanto, quando há dificuldades de compreensão e uso da língua, há dificuldade de associar, de criticar, de criar e de participar, interagir com o meio.
Graciliano Ramos em sua obra “Vidas Secas” retrata o que seria na prática um homem excluído do seu potencial de uso da fala com a personagem “Fabiano”:
“Às vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopeias. Na verdade, falava pouco. Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas.” (RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 45 ed. Rio de Janeiro, Record, 1980. p. 17-20)
A partir deste ponto podemos compreender que a linguagem utilizada para interagir, tornar comum o conhecimento também é utilizada como elemento de exclusão e de marginalização daqueles que não a dominam efetivamente.
Conquistamos os meios tecnológicos, construímos metrópoles e pulverizamos o planeta com as mais diversas formas de linguagem, no entanto, boa parte da população dos países em desenvolvimento ainda não compreendem um terço das palavras contidas em suas línguas vernáculas. Hoje, a divisão social e do trabalho não se dá pelo machado, mas pelo domínio da linguagem e das informações transmitidas também, “sociedade da alienação”? Pois é somente a partir da alienação e da falta de recursos financeiros de muitos, que alguns poderão usufruir da tecnologia, dos bens e do consumo e, do conhecimento (atualmente também uma mercadoria). Esta seria a lógica capitalista da acumulação. Para que alguns possam usufruir do conforto dos bens de consumo, outros tem que ser sacrificados, ficando à margem ou usufruindo de bens de consumo inferiores. No caso do que chamamos “sociedade da alienação” a questão é a existência de um sistema que oferece tecnologia, funcionalidade e conforto somente a uma pequena parcela da população mundial. A alienação se dá, também, no meio dos “info-ricos” é o ato de indicar a tecnologia apenas como meio de conforto e de praticidade ignorando-se que esta mesma tecnologia tornou-se um meio de exclusão.
Esta é a engrenagem da ideologia de acumulação do capital. Se todos podem ter, não justifica que haja desejo, avidez de outros também possuírem seja lá o que for. Logo, o capitalismo, a tecnologia como um sistema econômico e a chamada sociedade do conhecimento se baseiam na necessidade de exclusão de alguns para o benefício de outros. Não se trata de uma retomada da Teoria da Luta de Classes escrita por Marx, mas uma observação ao que estamos repetindo desde os tempos primitivos, onde aqueles que conheciam um pouco sobre os fenômenos da natureza e das técnicas agrícolas podiam dar-se ao luxo de comer fartamente sem ter que ajudar nas lavouras.
O homem resiste à ideia de ser, de fato, um animal com características diferentes ou vantagens em relação aos animais das outras espécies, talvez assim ele esteja esquecendo-se cada vez mais que subjuga e mata os da sua própria espécie.
A lógica capitalista é corrosiva quando levamos em conta que vivemos num planeta de recursos não renováveis como solo, água e ar. No livro “O mito do desenvolvimento econômico” de Celso Furtado encontramos a seguinte informação:
“… que acontecerá se o ‘desenvolvimento econômico’, para o qual estão sendo mobilizados todos os povos da terra, chegar efetivamente a concretizar-se, isto é, se as atuais formas de vida, dos povos ricos chegarem efetivamente a universalizar-se? A resposta a essa pergunta é clara, sem ambiguidades: se tal acontecesse, a pressão sobre os recursos não renováveis e a poluição do meio ambiente seriam de tal ordem (ou, relativamente, o custo do controle da poluição seria tão elevada) que o sistema econômico mundial entrariam necessariamente em colapso.” (FURTADO. Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. (Coleção Cultura). p. 89)
Longe de fazer menção às previsões catastróficas ou a um futuro obscuro, na verdade, o objetivo deste texto é fazer uma proposta de atuação dos cidadãos desta sociedade com nome e estrutura ainda velha. É óbvio que não poderíamos de uma hora para outra mudar o sistema capitalista par um outros qualquer. Mas é possível subverter esta ordem excludente com pequenas e contínuas ações. Pierre Lévy fala das comunidades de inteligência coletiva, em seus livros “O que é o Virtual” e “Cibercultura”. A partir de ferramentas da comunicação on-line e off-line pode-se e deve-se multiplicar canais em que a educação seja objetivo central.
É preciso compreender que esta diferença social instalada em nossa sociedade é também o que pode nos livrar da total degradação do ambiente. O que devemos focar, portanto, é a dignidade das pessoas. Seja nas comunidades agrícolas, nas grandes cidades, nas favelas e nos vilarejos. Podemos tirar um exemplo bastante atual neste caso, que seria o da Rocinha, maior favela da América Latina situada no Rio de Janeiro. Lá há tráfico, há pobreza, há diferenças sociais? Sim. Mas a Rocinha é hoje dignificada por uma identidade coletiva, com suas rádios comunitárias, com seus artistas e políticos locais que, aos poucos, vêm mudando até mesmo o conceito da palavra “favela”. É um processo gradual, onde há o despertar das massas. É valorizando o indivíduo que conseguimos despertar-lhe o interesse pelos fatos da vida.
Não submetendo a um estereótipo, a uma identidade falseada e manipulada.
Sabemos que não é viável a riqueza e a acumulação de bens de consumo para todas as camadas sociais devido à perversa lógica capitalista. Mas precisamos buscar urgentemente a acessibilidade de todos os benefícios da tecnologia na saúde, na educação e na sobrevivência digna e participativa. O que não podemos mais é conceber a ideia de que somos apenas engrenagens em função de um sistema econômico. Quando o correto seria que este sistema estivesse em função dos indivíduos.
É preciso nos debruçarmos sobre o conceito de cidadania e consciência coletiva. O que estes termos significarão no futuro? Talvez tudo! É a partir da cidadania e da consciência coletiva que evitaremos ação anti-éticas com relação ao Projeto Genoma ou com relação à Globalização das Economias. Os profissionais de Ciência da Informação tem em mãos a responsabilidade na gestão de negócios e de projetos relacionados à sensível estrutura da Sociedade da Informação e do Conhecimento.
É imprescindível que além dos investimentos em tecnologia e ciência, saibamos dar maior espaço às ações que promovem o pensar coletivo, a busca por dignidade, por justiça e por uma política econômica menos destrutiva e excludente.
Partindo para uma prática do que Pierre Lévy chama de comunidades das inteligências coletivas, promover a comunicação e a troca de informações entre grupos interessados em ações sociais, defesa do consumidor, defesa do menor carente, informação e formação do cidadão e eleitor, defesa do meio ambiente. Todas as essas “paixões” defendidas de forma objetiva e organizada podem trazer as mudanças necessárias da nossa e das sociedades futuras.
Atualmente, podemos supor (baseando-nos em fatos científicos) a colonização da Lua e de Marte. Porém, vejamos se não estamos apenas repetindo em maior grau o que nossos antepassados nômades faziam; quando acabavam os recursos naturais num lugar, juntavam as tralhas e mudavam-se para outro. Ali, repetiam o mesmo ato meses depois. Realmente seria lamentável pensar que os humanos são nômades dentro desta galáxia. Não podemos esperar a total degradação do que possuímos hoje, para depois tomarmos atitudes sólidas. Àqueles que estão ansiosos por não saberem com o que trabalhar ou o que fazer para serem mais úteis enquanto seres produtivos, apresentamos uma dica: a nova sociedade da informação precisa de grupos de trabalho objetivando a implementação em larga escala do conhecido conceito “qualidade de vida”.
Referências Bibliográficas:
ALVES, Rubem. A gestação do futuro; tradução de João-Francisco Duarte Júnior. 2 ed. Campinas, SP: Papirus, 1987.
LÉVY, Pierre. Cibercultura; tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999. 264 p.
LÉVY, Pierre. O que é o Virtual?; tradução de Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1996. 160 p.
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 4.
ed. São Paulo: Loyola, 2003.
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 45 ed. Rio de Janeiro, Record, 1980. p. 17-20.
SUPERINTERESSANTE – Deu Branco? Os segredos da mente – agosto de 2000. p. 49-54.
Otimo artigo
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